sexta-feira, 17 de julho de 2009

A casa

Passou pela porta de entrada e foi como se já fizesse muito tempo desde que esteve ali pela última vez. Com o passar dos dias, semanas, meses (já não sabia mais, tinha perdido a noção de quanto tempo) as coisas foram tornando-se empoeiradas: as cadeiras, os vasos, o sofá, o que tornava aquele lugar familiar. Passou, passaram despercebidos. Os porta-retratos indicavam que alguém ali já tinha sido feliz, um casal, uma família que existiu. Ainda existe? Ainda existe. Mesmo sem saber o porquê, essa resposta parece ser a única, ainda que não lhe traga conforto. Caminha por ali, cansado, chegando do trabalho. Observa em silêncio. O descuido do dia-a-dia fez com que chegasse a este ponto de distanciamento. Não sente-se a vontade para sentar-se ali. Não enxerga mais. Não sente-se a vontade pra dizer à sua esposa, ali, no sofá, aquele “eu te amo”. Amor estampado agora encoberto. Esposa. Tanta intimidade. Conhece aquele corpo, o toque, mas não mais os sentimentos. Não mais seus sentimentos. Percebendo neste momento tudo que rodeia esta casa, reconhecendo num olhar atendo à TV um brilho singelo que há muito não percebia (não que não estivesse ali, mas que realmente não foi percebido)e que o toca, tomado por uma motivação estranhamente adormecida que lembra- se ter possuído no princípio de tudo, de súbito seu olhar se levanta e solta como quem fez uma grande descoberta, deixando Maria agitada: “Maria, levanta deste sofá!Está na hora de arrumarmos a casa.”

3 comentários:

  1. Oi, dona moça!

    Cá das bandas da Bahia trago-lhe um comentário. Há algum tempo venho me encantando com a sagacidade de teus textos e me surpreendendo com os desfechos!
    Sucesso pra nós! rs

    Inté!


    Eduardo Ribeiro

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  2. Me fez lembrar de uma hostória, não sei se já lhe contei.

    Conta a história que um casal tomava café da manhã no dia de suas bodas de prata.A mulher passou a manteiga na casca do pão e o entregou para o marido, ficando com o miolo.
    Ela pensou: "Sempre quis comer a melhor parte do pão, mas amo demais o meu marido e, por 25 anos, sempre lhe dei o miolo. Mas hoje quis satisfazer meu desejo. Acho justo que eu coma o miolo pelo menos uma vez na vida". Para sua surpresa, o rosto do marido abriu-se num sorriso sem fim e ele lhe disse:

    - Muito obrigado por este presente, meu amor. Durante 25 anos, sempre desejei comer a casca do pão, mas como você sempre gostou tanto dela, jamais ousei pedir!

    Moral da história:

    Você precisa dizer claramente o que deseja, não espere que o outro adivinhe...

    Você pode pensar que está fazendo o melhor para o outro, mas o outro pode estar
    esperando outra coisa de você...

    Deixe-o falar, peça-o para falar e quando não entender, não traduza sozinho. Peça que ele se explique melhor.

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  3. O comentário do Mateus me lembra certos momentos da minha relação com minha namorada. Muitas vezes não nos entendemos porque tentamos ser adivinhadores dos pensamentos um do outro. É difícil aprender a conviver, mesmo com alguém que se ama. Os problemas do coração são muito mais difíceis de entender que os problemas da vida...

    Não sei como você consegue essa sensibilidade pra narrar com essa riqueza de detalhes um momento tão curto e intenso como esse. Acho que muitas mulheres (inclusive minha mãe) já passaram por esse momento =/

    Sensacional!

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